sábado, 27 de abril de 2024

ÀS VEZES, A FRANÇA NA EUROPA...

(Francesco Tullio Altan, https://www.repubblica.it) 

A jornada promete ser longa e potencialmente emocionante, pelo que me limito a uma fugaz presença bloguista anterior à luz do dia, a qual aproveita um gráfico que recentemente me passou pela mão ao folhear as páginas do “Le Monde”. De facto, todos sabemos de há muito, até por experiência própria, que os critérios de Maastricht são largamente gratuitos, não obstante estar também à vista que são altamente resistentes à crítica (como o comprova a sua essencial inalterabilidade no quadro da reformulação flexibilizadora que acaba de ser aprovada pelas instâncias comunitárias). E todos sabemos igualmente que houve e há com frequência manifestações diferenciadas (bref, “filhos e enteados”) no tocante às grandes decisões de fundo que foram e vão sendo tomadas em Bruxelas aos mais variados níveis. É este o caso que ressalta do gráfico acima: ilustrando ele o comportamento do défice público francês nestes primeiros vinte e quatro anos do século XXI, tornar-se-á óbvio quanto ele me avivou o conhecimento quase inconsciente que certamente tinha em relação à persistente situação de incumprimento que caraterizou a economia francesa durante três quartos do período em análise. Ou seja: estamos apenas perante um exemplo público e notório de quanto as regras impostas na União podem ser e são objeto de diversas interpretações e exigências consoante o peso e a densidade do infrator – mesmo não desconhecendo que Paolo Gentiloni emitiu há pouco alguns tímidos avisos com destino às autoridades francesas e que estas têm vindo a analisar e decidir os tempos e os modos de a eles procurarem corresponder com o mínimo de custos internos, convém sublinhar veementemente que o excedente português obtido por Medina em 2023 (quaisquer que possam ter sido as pequenas habilidades subjacentes) compara, para os devidos efeitos, com um impensável défice francês de 5,5% no ano findo. E ou muito me engano ou as propostas alegadamente salvadoras da Europa novamente provenientes de Macron acabarão por redundar em mais algumas excecionalidades e distorções a benefício do país a que preside.


(Raúl Arias, https://www.elmundo.es)

(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

sexta-feira, 26 de abril de 2024

TEMOS GENTE!

 

(Bem sei que a rua não representa um indicador seguro da participação cívica e da cidadania em geral. Mas também sei que a rua foi fundamental na sustentação do próprio golpe dos Capitães de Abril, tornando-o irreversível e contribuindo decisivamente para a baixíssima resistência que ele provocou nas hierarquias do poder político e militar. Recordo-me também da grande manifestação contra a TROIKA e do seu profundo significado. Por isso, tendo estado no desfile e manifestações do Porto e sobretudo contemplando a força impressionante do que se passou na Avenida da Liberdade e Restauradores em Lisboa concluo que o 25 de abril deste ano levou a peito os 50 anos e nos mostrou que temos gente para defender a democracia e valorizar o seu legado. Isso não significa desistir de realizações que a Democracia prometeu e ainda não conseguiu cumprir, abdicar do espírito crítico e mais do que nunca distinguir entre o assessório e o essencial. O desfile do Porto, iniciado no que eu costumo designar de distrito artístico e alternativo da Cidade que aprecio bastante dado serem também as atmosferas em que os meus netos do Porto vivem, foi muito diversificado, embora com a presença significativa de tudo o que é organização com o espírito de PCP. O que não é crime nenhum, até porque essa presença não impediu a presença na manifestação de outros movimentos e outras formas de criatividade, com gente e grupos mais alternativos, em linha de coerência com o que o 25 de abril provocou na sociedade portuguesa, a sua libertação de todas as amarras e condicionamentos de expressão…)

Talvez esperasse mais animação na Avenida dos Aliados. O ambiente que esperava a chegada do desfile com a sua dimensão e diversidade não era propriamente dos mais animados e o que se passava no palco com os Caruma não era propriamente um grande convite à explosão de alegria.

Por isso, não tenho dúvidas de que o grande significado de participação popular esteve na esmagadora dimensão da descida da Avenida da Liberdade em Lisboa, provavelmente uma das grandes manifestações de rua da democracia portuguesa, talvez com a exceção do primeiro 1º de Maio em democracia. Recordo-me como se fosse hoje do ruído ambiente que se ouvia no quartel do Lumiar em Lisboa, onde por questões de serviço estive encerrado nesse dia, a uma distância considerável. Pressentia-se a partir do interior do quartel a força daquela manifestação e a transbordante alegria que circulava pelas ruas, onde tudo era ainda muito fácil e onde a conflitualidade ideológica sucumbia face à força da libertação.

Não tenho quaisquer dúvidas de que toda a gente interessada na valorização e defesa da democracia compreendeu bem o contexto de ameaça que vivemos e respondeu com um SIM inequívoco à participação. A sondagem publicada na última edição do Expresso era claríssima quanto ao significado que os portugueses em geral atribuem ao 25 de abril de 1974 e por mais que os Núncios deste país se esforcem por colocar o 25 de novembro no mesmo plano do 25 de Abril, as pessoas sabem que o primeiro foi crucial e o segundo ajudou apenas a repor as coisas da democracia nos seus eixos. A propósito tem-se falado muito e com justiça de Eanes, mas muito pouco de Melo Antunes e como precisávamos hoje da clarividência deste último.

As grandes manifestações de ontem são também a demonstração de que os portugueses sabem que é artificial a tentativa de normalização do que foi o Estado Novo. Se acreditassem nessa normalização e na desculpabilização do regime, não estariam seguramente tão convictos da necessidade de preservar a memória do que nos permitiu a libertação desse estado de coisas.

Por isso, saio revigorado do dia de ontem.

Temos gente para defender o essencial – a preservação da democracia – e encontrar as formas mais inteligentes para combater a anormalidade de 50 personagens dissonantes no Parlamento.

 

DO ABRAÇO À RENOVAÇÃO DE VOTOS

 
(adaptado de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

Tenho acompanhado de perto, e declaradamente interessado, o decurso do processo eleitoral no Futebol Clube do Porto. Mas não será este o melhor momento para disso fazer o balanço que se justificaria, tantas são as grandes e pequenas histórias que fui observando ou a que acedi – não prometo, mas talvez um dia mais tarde vá por aí, quem sabe?

 

Hoje, fico-me por uma observação lateral mas definitivamente demonstrativa do caráter dos protagonistas. Refiro-me, como é óbvio, à renovação contratual de Sérgio Conceição por quatro anos, ontem divulgada pelo Presidente do Clube e também confirmada por ele próprio. O treinador, que sempre declarara não ir ser interveniente nem agente influenciador das eleições e que não fazia sentido falar-se de renovação em período pré-eleitoral, terá acabado por vacilar perante o pedido de um Pinto da Costa que dá sinais de forte desespero face à atualmente desfavorável evolução dos acontecimentos, isto após ter reiterado que Sérgio não iria obviamente renovar sem conhecer a futura figura liderante do Clube (entre outras pérolas). Especificando contraditoriamente que “não estou agarrado ao lugar” (o que faria se estivesse!), o treinador não só “borrou a pintura” perante a maioria dos associados portistas (que o tinham por homem de forte personalidade, frontal e verdadeiro) como deixou claro quanto é inexistente a sua cotação num mercado internacional que, se o reconhecesse, lhe poderia servir de alternativa ao lugar a que afinal parece mesmo agarrado.

 

Quanto a expectativas, limito-me ao que desde já se pode dar por adquirido: a seriedade e o profissionalismo do projeto apresentado por André Villas-Boas, a vontade de mudança que se sente no seio da “família portista”, a hesitação de alguns saudosistas (como se a gratidão, enorme e eterna, fosse o tema central das eleições e não o da necessidade absoluta de se estancar a trajetória declinante do Clube para o preparar para os desafios do presente e do futuro) e a clara captura e perda de controlo dos dossiês que atingem o Presidente dos últimos 42 anos e alguém que pretende perpetuar-se no poder até aos 90 anos. Por tudo isto, eu sou dos que confio na possibilidade de o FC Porto ser resgatado a partir do voto de amanhã.


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

DESENCONTRADOS DESABAFOS DE ABRIL

(Martin Elfman, https://elpais.com

Por muito que o meu amigo António Figueiredo não aprecie efemérides, o que compreendo perfeitamente embora nem sempre o pratique, sendo também certo que a exploração das mesmas vai dando sinais evidentes de requentamento e de capitulação perante as imposições da crescente ditadura do imediato e do superficial, a verdade é que o 25 de abril não é uma efeméride qualquer (to say the least, obviamente e com a devida e sentida vénia). Daí que, mesmo não divagando demasiado em torno do tema, não possa deixar de assinalar a data, ademais no momento do cinquentenário que ocorre.

 

A imagem que escolhi, para fugir à mais desgastada (embora por vezes belíssima) utilização do motivo dos cravos vermelhos, vem do “El País” de hoje e de uma crónica alusiva em que se sustenta a ideia da necessidade de defender as conquistas associadas à data mas também de celebrar a significância intrínseca da mesma. E não faltarão razões bastantes para celebrar, da liberdade à descolonização (e correspondente fim da guerra colonial) ou dos resultados da dinâmica social vivida às evidências (you name it!) do País mais aberto, mais diverso e mais feliz que notoriamente somos.

 

Numa lógica mais pessoal, e recorrendo à sacrossanta pergunta que Baptista Bastos imortalizou (“onde é que você estava no 25 de abril de 74?”), direi apenas que nesse dia me preparava para assistir a uma aula na Faculdade de Economia (onde frequentava o 4º ano da licenciatura) e que rapidamente mudei de rota para avaliar a situação junto de amigas e amigos num café ali para as bandas da rua 5 de outubro. Os tempos de então eram gloriosos pelo lado da juventude que exibíamos mas não menos traumáticos pela ameaça do serviço militar que se nos deparava (com a guerra de África no horizonte) e pelo repressivo fechamento da sociedade que se nos tornava cada vez mais insuportável. À noite, em família, vi na televisão a proclamação da Junta de Salvação Nacional e procuramos interpretar em conjunto, embora de formas nem sempre suficientemente informadas, o alcance do que estava a acontecer. Seguiram-se cinco dias explosivos, incluindo aquele em que a nossa turma boicotou uma aula de Economia da Empresa, os quais culminaram num inesquecível 1º de maio em que o povo do Porto saiu à rua com uma irrestrita alegria.

 

Termino com um obrigatório apontamento de atualidade. Apenas para sublinhar quão deploráveis são as marcas que deste dia de 2024 ficarão na nossa memória coletiva. Um Presidente da República tolhido perante as tonitruantes acusações dos extremistas do “Chega”, um Governo a misturar alhos com bugalhos (não falo aqui do Sebastião, mas sim de uma forçada igualização entre o 25 de novembro e o 25 de abril, só diminuidora de uma e outra data) e intervenções políticas medíocres ou sem chama estratégica de qualquer espécie, tudo no quadro de uma situação política instável e com tendência para piorar, de umas eleições europeias à beira de se poderem saldar por uma vitória dos eurocéticos, de uma sociedade civil autocentrada e anémica e portanto incapaz de se constituir numa alavanca de reação desenvolvimentista, de indicadores económicos e de bem-estar reveladores de um incompreensível torpor e de uma Justiça que insiste em fazer perigar o Estado de direito democrático. Cinquenta anos passados, toda uma agenda por trabalhar!

FILTROS PRECISAM-SE …

 


(No dia de ontem, em trânsito para e vindo de Lisboa, não tive as condições ideais para gerir a minha mais profunda estupefação com o destempero verbal do Presidente Marcelo. Já há algum tempo que me tinha apercebido que o paradigma da incontinência e frenesim comunicacional de Marcelo tinha mudado. Já não estava em causa a necessidade de falar por tudo e por nada, mas comecei a antever a perda progressiva do poder de filtragem em favor de uma “gravitas” da função presidencial, paradoxalmente cada vez mais necessária no período difícil em que as últimas eleições colocaram a democracia portuguesa e o seu quadro parlamentar. Os percalços sucederam-se, a necessidade permanente de corrigir o que fora anteriormente dito intensificou-se, novas interpretações eram sistematicamente adicionadas, com grave ofensa à nossa inteligência de cidadãos. O que se passou ontem essencialmente no âmbito de um encontro com jornalistas estrangeiros equivale em meu entender a um agravamento irreversível da perda de filtros em função da valorização da gravitas presidencial. Primeiro, entrando sem qualquer aviso prévio ao Governo pela problemática matéria das possíveis reparações pelo nosso passado colonial, um poço sem fundo que mais uma vez desviará as atenções do que é essencialmente percecionar em termos do futuro português. Depois, com inenarráveis observações sobre António Costa e Luís Montenegro, com referências a modos de estar, de pensar e de exercer a governação, que não lembraria ao careca trazer para a praça pública, protagonizando um posicionamento de desaforo e até de indelicadeza gritante para o primeiro-Ministro cessante e para o que tem o pesado fardo de lhe suceder. A perda de filtros dá que pensar …)

Algo deve estar a acontecer no turbilhão de personalidade que Marcelo Rebelo de Sousa é e sempre foi. Imagino que Cavaco Silva estará a rir-se com o plano inclinado em que Marcelo se coloca a si próprio e talvez o rígido Cavaco esteja a pensar quão importante é a presença de uma Maria em tudo isto. Imagino também que o caso das gémeas terá representado um verdadeiro choque traumático para as suas convicções familiares e que o possa ter abalado a ponto de lhe toldar o equilíbrio emocional. Não me custa também admitir que a inqualificável posição da Procuradora-Geral da República no assunto da Operação Influencer o terá colocado numa problemática interrogação de consciência e sabemos que é uma personalidade sensível a essas matérias pela sua formação e convicções religiosas. Marcelo pode perfeitamente imaginar que foi enganado com a comunicação de um caso que não estava bem investigado e que determinou um parágrafo mortífero para a estabilidade política e isso, estando a acontecer, deverá corroê-lo por dentro até à exaustão.

Posso até entrar por mundos da psiquiatria mais vulgar e pensar que o frenesim comunicacional e a necessidade de pronunciamento praticamente on line são subterfúgios para o exercício solitário do poder.

Todos os que colocam a defesa da democracia em Portugal acima de todas as minudências e interrogações políticas devem estar preocupados com este plano inclinado, esta caminhada para o abismo em que o Presidente Marcelo se colocou a ele próprio, seja qual for a razão última e profunda que o possa explicar. A ideia de garante transmitida pela função presidencial é, no momento presente, mais importante do que nunca e demasiado importante para se dissolver nesta estranha dissolução da gravitas presidencial. As selfies que possam ser tiradas, e imagino que a sua procura tenda a diminuir, deixarão seguramente na imagem um rosto cada vez mais amargurado. Uma revisão de filtros irá ser necessária para que o fim do mandato presidencial possa concretizar-se com o mínimo de danos possíveis.