terça-feira, 19 de março de 2024

O PREÇO EUROPEU DE ALGUMAS VIDAS

(Marian Kamensky, https://cartoonmovement.com) 

(Oliver Schopf, https://cartoonmovement.com) 

Definitivamente, Ursula von der Leyen não brinca em serviço. Em plena e indisfarçada atitude de campanha eleitoral ― e ela quer muito continuar a ser presidente da Comissão Europeia por mais cinco anos ―, lá embarcou ela ontem para Cairo, na companhia de cinco chefes de Estado e de governo de países europeus (a italiana Meloni, o grego Mitsotakis, o belga De Croo, o austríaco Nehammer e o cipriota Christodoulídis), para assinar um “acordo denominado de “partenariado estratégico global” com o pouco frequentável presidente egípcio Al-Sissi. Uma decisão largamente questionável ― pela sua duvidosa eficácia, pela grave situação da democracia no Egito, pelos efeitos desviantes que serão produzidos em matéria de direitos humanos e pelos polémicos (ou fracassados?) exemplos de recentes iniciativas anteriores (Tunísia, nomeadamente, mas também uns ensaios de incursão na Mauritânia e na Líbia, sem esquecer a atuação de Merkel em 2016 relativamente à Turquia e aos refugiados sírios) ― e amplamente questionada em múltiplas instâncias europeias (Parlamento, em especial), mas uma decisão tomada sem qualquer hesitação por uma senhora que não cessa de levar tudo à sua frente e que desta vez tinha na bagagem um generoso cheque de 7,4 mil milhões de euros (o mais substancial de sempre) alegadamente para que as autoridades locais impeçam a chegada de migrantes e refugiados às fronteiras da Europa mas visando essencialmente mostrar a sua determinação e capacidade de resposta face à imigração irregular a escassos três meses de umas eleições europeias em que as sondagens preveem uma significativa subida de votos nas forças da extrema-direita de que quer aproximar-se. Com Ursula assim entretida com a prioridade ao seu próprio umbigo, o seu “inimigo de estimação”, Charles Michel, aproveitou o terreno mediático deixado vazio para dar um ar da sua graça contra Putin e para dar eco às genuínas preocupações que se começam a multiplicar pela Europa fora. Que tempos desinteressantes!


segunda-feira, 18 de março de 2024

AINDA A QUESTÃO DOS LEFT BEHIND OU DA GEOGRAFIA DO RESSENTIMENTO

 

(O contexto político nacional em que estamos mergulhados é muito pouco estimulante para o tipo de reflexões que este blogue procura animar. O mundo comunicacional permanece amarrado à discussão das minudências e perde de vista o essencial. Assim, por exemplo, discute-se se Marcelo fez bem ou mal iniciar as conversas com os partidos políticos antes da publicação dos resultados da diáspora, os quais a meu ver aumentarão ainda mais a magnitude do voto na maioria informe e desestruturada de direita e que tudo indica levarão o Augusto Santos Silva a regressar às lides académicas e ao Porto. Por outro lado, a onda mediática que cavalgou a emergência dessa direita alargada permanece no mesmo tom e uma insuportável campanha de pressão sobre o PS está desenhada no sentido de lhe exigir a viabilização do governo da AD com ou sem a muleta da IL. Caros Senhores, o PS de Pedro Nuno Santos tem mais do que fazer do que fazer a papinha a essa governação que é agora um problema a resolver no seio da tal maioria alargada e desestruturada de direita. O problema central do PS é explicar a perda de cerca de 500.000 votos no Continente e ilhas, à qual se adicionará a perda na diáspora. E sobretudo recuperar discurso e propostas para dialogar com a população mais jovem, travando a sua deslocalização para o ressentimento que neste contexto penaliza quem governou. Por isso, neste contexto pouco desafiante, regresso ao tema da geografia do descontentamento ou do ressentimento que já varreu a Europa e que chegou agora com estrondo até nós, aproveitando, agradecendo duas referências bibliográficas que o Amigo Professor Luís Carvalho me enviou recentemente, alargando o referencial que o agora guru da política regional e de coesão Andrés Rodríguez-Pose abriu com os “places that don’t matter”.)

A minha primeira reflexão vai no sentido de preferir a abordagem dos “left behind” à dos “lugares que não interessam”. A dimensão dos “left behind” é mais sugestiva porque integra a dimensão dos territórios que podem perder o comboio da mudança e do desenvolvimento, não interessa agora as razões porque isso acontece, e também das pessoas que por questões de marginalização, exclusão ou simples desqualificação agravada tendem a permanecer em “armadilhas” de pobreza ou exclusão, perdendo o contacto com a dinâmica social. Sabemos que as questões da justiça social e da justiça territorial não apresentam na investigação o mesmo desenvolvimento. O legado teórico para abordarmos as questões da justiça social (bastará pensar em Rawls, Amartya Sen ou mesmo Martha Nussbaum para percebermos isso) é incomparavelmente mais robusto do que o existe para a justiça espacial ou territorial. Por isso, não adianta de nada invocar o princípio simplista de que existindo territórios deixados para trás, também existirão pessoas nessa condição. Sim, isso é verdade, mas os instrumentos teóricos para discernir sobre essa injustiça não são de todo os mesmos e têm graus de desenvolvimento muito desiguais.

Assim, todos os contributos para aprofundar a abordar dos left-behind” são bem-vindos e os que o Luís Carvalho propõe estão nesse grupo.

O primeiro texto é de autoria de um coletivo de autores, publicado na popular Regional Studies, no qual o nome talvez mais importante e conhecido é o de Andy Pike. Trata-se essencialmente de um contributo a nível conceptual, procurando ver mais fundo numa terminologia vibrante que é mais rica do que a diversidade conceptual que nela se acolhe. Os autores reconhecem que a ideia de “left behind places” veio reanimar a temática da geografia das desigualdades, esta última ela própria induzida pelo recrudescimento da importância que o tema da desigualdade assumiu nas sociedades mais avançadas, sobretudo quando o Estado social começou a dar parte de fraco. E embora a língua inglesa, que domina claramente a ciência regional, seja particularmente ousada na diversidade de designações conexas com os “left behind”, a verdade é que o tema redobrou de importância quando se associou às suas manifestações espaciais uma tentativa de explicação do voto de protesto ou descontentamento, revestindo frequentemente a natureza de voto antissistema favorecedor das tentações não democráticas. Os autores reconhecem, entretanto, que a disseminação do conceito “alarga o enquadramento das desigualdades geográficas além das simples preocupações económicas para integrar as suas múltiplas dimensões, socialmente interrelacionadas, políticas, ambientais e culturais” (Pike e outros, 2023: 2). O artigo reivindica-se assim de uma “etimologia geográfica”, interessado em que está em situar a designação no quadro das abordagens da desigualdade no plano espacial. É de facto impressionante o número de tipologias de evidências que podem subjazer ao conceito de “left behind” das dimensões mais físicas e infraestruturais às mais imateriais. Dir-se-ia que o conceito atualiza para os contextos de hoje uma temática, a do desenvolvimento desigual, que sempre esteve presente na ciência regional. É muito relevante reconhecer que a abordagem se pode reconduzir quer a lugares, quer a pessoas, conduzindo consequentemente a políticas “place-based” ou “people-based”. Tendo por referência a ideia do ressentimento, ele tanto poderá ser combatido com políticas transversais de lugar, quer com políticas dirigidas a grupos específicos.

O outro artigo, “People or Places that Don’t Matter? Individual and Contextual Determinants of the Geography of Discontent”, é de autoria de dois elementos do Departamento de Arquitetura do Politécnico de Milão, Camilla Lenzi e Giovanni Perucca, e ensaia uma tentativa de procura de laços causais entre as desigualdades observadas a nível intrarregional e o nível de descontentamento percebido no plano dos surveys e do voto, com as condições de desvantagem e de privação individuais a reforçar a influência. A novidade do artigo consiste em medir indiretamente o descontentamento através do registo de posições de desconfiança relativamente à União Europeia e às suas instituições, que deve ser entendida como uma proxy relativamente arriscada e estou a pensar por exemplo na sua aplicação ao caso de Portugal. Será que o pretenso descontentamento ressentido dos votantes Chega se identifica com esta desconfiança relativa às instituições europeias? Apetece dizer que teremos as próximas europeias para o testar.

Mas o principal interesse do artigo está na consideração de três condições diferentes para que as desigualdades contem na explicação do ressentimento expresso no voto:

  •         As desigualdades inter-regionais, ou seja, as que medem a situação de um determinado territorial (não interessa agora a questão da escala espacial) face a um referencial determinado, seja o nacional ou o comunitário;
  •         As desigualdades intrarregionais que se observam no interior desse mesmo território;
  •         As condições de privação individual medidas por um qualquer indicador de medida de condições de vida.

Os dois investigadores organizam assim duas hipóteses de pesquisa que constituem reconhecidos aprofundamentos: primeiro, as desigualdade intrarregionais tendem a reforçar o efeito positivo das inter-regionais na geração do ressentimento; segundo, o grau de privação material tende a reforçar o efeito positivo das desigualdades intrarregionais.

E assim a investigação avança e mais robusto será o nosso conhecimento sobre as manifestações espaciais do nosso “ressentimento eleitoral”.

Eis um bom tema de cooperação entre a geografia e a ciência política.

 

A SEMANA QUE VEM

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Depois da correria eleitoral abaixo representada, ao que se seguiram dias ruidosos para ir entretendo o pouco povo interessado (com as honrosas exceções de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos), vamos entrar na semana das primeiras grandes decisões: vêm aí os resultados da Emigração (arrisco mais dois deputados para o “Chega”, um em cada círculo eleitoral, mais um para o PS na “Europa” e mais um para o PSD “Fora da Europa”) e logo a seguir a indigitação de Montenegro por Marcelo (que, a acontecer algo do que acima adianto, evitará parcialmente aquela conversa que nunca aconteceu).

 

O indigitado passará a seguir ao fecho do governo, sendo-me cada vez mais claro que chamará o CDS (Nuno Melo na Administração Interna ou na Defesa será de gritos!) e a “Iniciativa Liberal” (Rui Rocha na Habitação, digo eu, afastaria a favorita das listas que por aí circulam, Filipa Roseta, mas vejo com dificuldade outra alternativa de pasta que não seja o Turismo) para o acompanhar, numa demonstração de antecipado temor da solidão do poder. No restante, Montenegro é suposto apontar Joaquim Miranda Sarmento e Pedro Reis para as Finanças e a Economia (embora se tenha falado de Paulo Macedo, este ainda não deverá ter ensandecido), Ana Paula Martins ou Miguel Guimarães para a Saúde, Paulo Rangel para os Negócios Estrangeiros, Miguel Pinto Luz para as Infraestruturas, José Eduardo Martins para o Ambiente, Hugo Soares para os Assuntos Parlamentares e António Leitão Amaro para a Presidência, com o equilíbrio de género a ser minimamente enfrentado através de Cecília Meireles na Segurança Social, Liliana Reis na Ciência e Teresa Morais na Cultura; com menos convicção, fala-se ainda de Gonçalo Matias na Justiça, de Hélder Sousa no Território, de Eduardo Oliveira e Sousa para a Agricultura e de Tiago Pitta e Cunha no Mar. Sendo para mim claro que o fecho do puzzle está ainda longe de estar resolvido na cabeça do futuro primeiro-ministro, assim como que o mais certo seja a existência de surpresas em relação ao que se vai prevendo.

 

A observar com atenção, ainda, o que sucederá para as bandas socialistas (entre o reaparecimento de Pedro Nuno Santos e a reunião da sua Comissão Nacional) e quantos mais coelhos tentará tirar Ventura da cartola de um desejado convencimento de Montenegro (que nunca acontecerá em termos formais, apesar de estar na cara a quase inevitável repetição do que sucedeu nos Açores). Por fim, e enquanto o resto da Esquerda lambe as suas feridas e exorciza os seus fantasmas, o afetado calculista José Pedro Aguiar Branco reserva-se para tentar chegar a segunda figura do Estado. 

(Vasco Gargalo, https://www.sabado.pt)

sábado, 16 de março de 2024

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO: A RELEVÂNCIA DO TERRITÓRIO (TAKE 2)

 


(Retomo o fio à meada da minha próxima intervenção no Conselho Consultivo Estratégico da AMP para a educação e formação, acrescentando o take 2 da minha reflexão. Uma ideia central atravessa esta reflexão. As políticas de educação encontram-se numa encruzilhada e exigirão respostas rápidas e consequentes na sua dimensão nacional. Isso, porém, não dispensa, antes pelo contrário, a inovação na territorialização dessas políticas, que não é mais do que uma forma de descentralização.)

3. A complexidade de uma transição: a maturação do sistema de educação e formação

O documento Estado da Educação 2023, reportado ao ano de 2022 e recentemente publicado pelo Conselho Nacional de Educação, constitui um referencial útil para compreendermos a complexidade da transição a que me refiro e que se prende genericamente com a emergência de um ainda não consolidado sistema de educação e formação.

A simples invocação das seis comissões especializadas que têm funcionado no âmbito do CNE ajudam-nos a focar a referida transição: 1. Currículo; 2. Inovação Pedagógica nas Escolas; 3. Escola e Sociedade; 4. Professores e Outros Profissionais da Educação; 5. Democratização e Desigualdades Educativas; 6. Educação Superior, Ciência e Tecnologia.

Na minha interpretação, a transição para um sistema de educação e formação que alargue o alcance do que até aqui designávamos de “sistema educativo” é marcada por um conjunto de traços estruturais dos quais destacava os seguintes:

  •        A continuada subida das taxas de escolarização para todos os graus da escolaridade obrigatória e também da formação superior, ao mesmo tempo que, finalmente, e por força essencialmente do esforço de qualificação de jovens, a população ativa e o emprego começam a revelar uma subida continuada nos nossos níveis de qualificação, que devem ser vistas em simultâneo com a descida continuada, que não sabemos ainda se é sustentada, das taxas de insucesso e abandono escolar; ou seja, o sistema está a qualificar mais pessoas e com níveis mais elevados de qualificação, incluindo as dimensões mais profissionalizantes;
  •        A progressiva importância e peso do ensino profissional com modalidades de dupla certificação, ainda longe da paridade com a importância dos cursos científico-humanísticos no secundário (60,3% de alunos nos CCH) e com alguns problemas de estagnação (37,8% nas ofertas de dupla certificação em 2021-22) e sobretudo com uma procura social por parte dos jovens e das famílias que, apesar dos progressos já alcançados, ainda não equipara com a da procura dos científico-humanísticos;
  •        A nova realidade dos CTeSP que vai no sentido de reforçar a abrangência do tal sistema de educação e formação, exigindo uma regulação mais intensa;
  •        A influência no sistema ditada pelo declínio demográfico estrutural que atravessa a sociedade portuguesa, com as suas componentes irreversivelmente associadas do incremento da imigração, do efeito sobre o número de jovens e das consequências sobre o envelhecimento de professores;
  •        O impacto que as transições digital (com os desafios ciclópicos da inteligência artificial) e energético-climática tenderão a provocar no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO), por sua vez impactante dos curricula a oferecer nos diferentes graus da escolaridade obrigatória;
  •        As exigências desproporcionadas que recaem sobre a Escola em matéria de respostas a um deslaçamento da vida social e familiar, que acontece num período extremamente ingrato de desvalorização social do papel dos professores e de problemas de desenvolvimento e consolidação de carreiras que se têm arrastado para lá do razoável;
  •        Os desafios crescentes que neste contexto e de importância necessária acrescida de respostas ao ensino profissional que são suscitados em matéria de formação de professores e dos serviços das Escolas de orientação vocacional;
  •        A procura de um equilíbrio entre a formação para a qualificação inicial de jovens e a formação de adultos, sempre pautada pelo objetivo social de reduzir o número dos “left behind”, seja de jovens, seja de adultos empregados ou desempregados;
  •        A pressão crescente para a empregabilidade das formações (em 2022, 81,7% da população entre os 20 e os 34 anos que concluiu um nível de educação igual ou superior ao secundário encontrou emprego 1 a 3 anos depois da sua conclusão), no quadro de uma melhoria generalizada das qualificações oferecidas e da desejável mudança estrutural da economia portuguesa capaz de as absorver.

O Relatório do CNE 2023 encontra numa síntese feliz a adequada expressão de complexidade desta transição:

“Na ordem dos princípios e dos factos, a democratização da educação e a construção de uma sociedade justa, exigem um sistema de ensino equitativo, na dupla aceção de inclusão e de justiça social; uma educação universal, lifelonging, obrigatória e progressivamente gratuita. Os imperativos éticos e os objetivos económicos impõem uma Educação para todos e para cada um, capaz de consubstanciar difíceis articulações: ser acessível, sem descurar a qualidade; constituirse universal, sem obliterar a diferença; atenta às especificidades do local, sem esquecer o global; perene nos valores universais, ainda que flexível à vertigem da mudança”.

4. Territorializar para melhor responder às exigências da transição complexa

A secção anterior mostra, creio que de forma muito assertiva, como a consolidação do sistema de educação e formação tem uma dimensão nacional clara e incontornável, desafiando o futuro das políticas públicas de educação e formação, não esquecendo que parte delas continua a ser largamente financiada no âmbito dos Fundos Estruturais (não esquecendo o esforço de investimento do PRR).

No meu modelo interpretativo, porém, a resposta a garantir ao nível nacional das políticas de educação e formação poderá ser substancialmente melhorada consolidando e alargando o processo de territorialização que, de forma pioneira e desigual em termos de consistência, é certo, tem vindo a ser desenvolvido no âmbito da regulação da oferta de cursos profissionais. Este processo, no qual a Área Metropolitana do Porto tem assumido uma posição de protagonismo e de dianteira, está longe de representar já uma institucionalização assegurada. Nem todas as Comunidades Intermunicipais têm agarrado o processo com o mesmo empenho e capacidade, o relacionamento entre as CIM e os municípios está longe ainda de estar perfeitamente organizado e do mesmo modo a articulação do sub-regional (NUTS 3 /CIM) e do regional (papel das CCDR) apresenta ainda significativas margens de progresso.

Sem ignorar por exemplo o papel relevante que a lógica setorial (nacional) poderá desempenhar na melhoria das condições de ajustamento (matching) entre as qualificações que se oferecem e as competências que são procuradas no mercado de trabalho, sou dos que defende que a territorialização regional e sub-regional é essencial para a concretização de um sistema de educação e formação menos ou exclusivamente ditado pelas forças da oferta de educação e formação e com uma mais intensa plasticidade sistémica na maneira como empresas e empregadores intervêm nesse mesmo sistema.

Talvez nas componentes superiores do sistema (formação superior e avançada) e muito a reboque da crescente importância assumida pelos temas da inovação, talvez se tenha compreendido mais cedo a dimensão estratégica dessa mudança. E não podemos ignorar que o estado da arte inicial não era de todo favorável ou facilitador dessa mudança, já que era conhecida de todos e dos principais relatórios internacionais a escassa comunicação que existia entre o sistema universitário e de investigação e as empresas.

Associo por isso as questões da territorialização das políticas de educação e formação a uma dimensão organizacional do sistema que interpela todos. O facto de se ter começado pelas chamadas qualificações intermédias e pela regulação dos cursos profissionais não é em meu entender por acaso. A dimensão do ensino profissional exige uma profunda mudança da procura social das famílias e dos jovens, dada a dimensão do estigma existente, aliás algo paradoxal num país em que, há bem pouco tempo, em quase todas as conferências e seminários se clamava contra o esquecimento a que o ensino técnico-profissional fora votado.

Embora o processo exija uma capacitação reforçada das CIM e a consolidação dos espaços de concertação territorial que foram ou serão criados em torno da sua atividade, existem condições para se aprofundar a fileira das qualificações intermédias, envolvendo nesses processos por exemplo os CTeSP  e o próprio ensino artístico especializado.

A inventiva e a criatividade dos processos de territorialização encontrarão em cada CIM e nas CCDR as fórmulas mais ajustadas à eficácia da concertação. O período que vivemos, com o enorme desafio das transições digital e climática, é motivador de reflexões prospetivas e de antevisão de necessidades em cuja definição se consiga uma participação alargada.

Haverá no entanto que resistir à tentação da homogeneização precoce destes processos. As CIM que iniciaram o processo não podem ser penalizadas pelo atraso dos outros. A territorialização não deixa de ser uma forma de descentralização.

E esta como bem sabemos quando iniciada pode transformar-se num processo a diferentes velocidades e por isso conduzir a desiguais formas de maturação organizativa.

Mas qual é afinal o problema?